Ivete Sangalo: "Acho que parte da violência atual é reflexo da falta de cuidado dos pais com os seus filhos"

"A criança deve se sentir segura, saber que existe alguém para ajudá-la a aprender e lidar com todas as coisas novas"

Ela dispensa apresentações. Seja no Brasil ou no exterior, a cantora baiana Ivete Sangalo, que tem anos de carreira, arrasta multidões para seus shows. Casada com o nutricionista Daniel Cady, teve seu primeiro filho, Marcelo, há quase dois anos. E é com o menino que Ivete coloca em prática tudo aquilo que acredita ser necessário para a boa educação de uma criança. Cabe dizer que boa parte das práticas Ivete admite ter aprendido com a própria mãe. 

Para a cantora, a atenção dos pais nessa fase da vida é importantíssima. "A criança deve se sentir segura, saber que existe alguém para ajudá-la a aprender e lidar com todas as coisas novas que ela se depara enquanto cresce", diz Ivete. Ela diz que mesmo os pais que não podem passar o dia com os seus filhos, devem aproveitar melhor o pouco tempo que têm juntos. "Duas horas bem aproveitadas podem significar mais do que um dia inteiro na formação de uma criança". 

Em um entrevista exclusiva para o Educar para Crescer, Ivete fala sobre o momento em que decidiu largar a faculdade para seguir a carreira artística e sobre o papel dos pais na educação.

Quais as lembranças que tem da escola?

Ivete Sangalo: As melhores. Só mudei de escola duas vezes: uma quando saí da alfabetização e fui cursar o primário em uma escola grande de Salvador e outra quando repeti de ano. As lembranças desse tempo são as melhores possíveis... Pelo fato de eu ter seis irmãos, não fiz milhares de amigos. Mas nós alimentávamos as amizades, éramos amigos de nós mesmos. Tenho contato com amigos da escola até hoje, mas não são aqueles amigos inseparáveis. Esses eu conquistei ao longo da vida. Agora, lembro de todas as fases da escola, pois estudei em lugares que trabalhavam muito o lúdico da gente. Acho isso importante.

A escola te ajudou a descobrir o seu talento para a música? 

Ivete Sangalo: Veja bem, quando criança, não tinha a intenção de ser cantora. Mas já era muito familiarizada com a música na minha casa. Na escola tudo acontecia de forma muito natural. Eu sempre me ligava mais nas atividades que tinham música, como os festivais, festas de final de ano e as gincanas. Tendo música, eu estava sempre envolvida! Isso é uma forma de estímulo. Nunca me senti intimidada, até mesmo quando fui para um colégio de freira. Lá, eu cantava nas missas.

Você ingressou na faculdade de secretariado e acabou largando para seguir carreira na música. Sentiu medo de tomar essa decisão na época? 

Ivete Sangalo: Não! Não me lembro nem de ter pensado. Eu me lembro do dia em que falei para minha mãe que ia largar a faculdade para ser cantora e ela me apoiou na mesma hora. Mas disse o quanto esse era um passo importante na minha vida e que eu tinha que ter responsabilidade.

Quais os meios que você usou para se aprimorar na carreira? Afinal, é preciso estudar muito para ser cantora...  

 Ivete Sangalo: Muito desse aprendizado aconteceu dentro da minha própria casa, com meu pai, com minha irmã Mônica, com meus outros irmãos que tocavam muitos instrumentos. Todos escutavam muita música. Não foi um aprendizado teórico mas eu aprendi muito na prática. Além disso, sempre procurei aprender mais sobre música, respeitando sempre os meus limites, como extensão de voz.

O que faria se o seu filho dissesse que vai largar a faculdade para seguir a carreira artística? 

Ivete Sangalo: Vou fazer com o meu filho o que a minha mãe fez comigo: me preparou durante toda uma vida e quando disse que eu precisava ter responsabilidade diante da minha escolha, eu assumi aquilo como uma grande meta para essa caminhada. Eu espero instruir o Marcelo para que ele seja aquilo que ele quiser ser, não o que eu quero que ele seja. Vou dar a ele toda a estrutura para ele ter consciência quando for decidir o que quer para o futuro dele. Quando larguei a faculdade, sabia muito bem o que queria e estava disposta a correr atrás desse sonho. Minha mãe apenas me alertou de quanto esse era um passo importante e da responsabilidade que precisava ter diante da minha escolha. O mesmo eu farei com ele. Acho que os pais têm que apoiar os filhos.

Qual o papel dos pais na educação dos filhos? 

Ivete Sangalo: Acho que os pais têm papel fundamental na educação dos seus filhos. Não só pela importância que essa fase tem na vida da criança, mas principalmente por tudo que acontece nesse encontro. A atenção dos pais nesse momento da vida é importantíssima. A criança deve se sentir segura, saber que existe alguém para ajudá-la a aprender e lidar com todas as coisas novas que ela se depara quando começa a frequentar a escola, por exemplo. Os pais devem acompanhar o que está sendo ensinado. Além do aprendizado, acredito que há um conteúdo emocional fortíssimo onde pais e filhos tem que estar juntos.

Como você enxerga essa onda de bullying e violência no ambiente escolar?  

Ivete Sangalo: Acho que não só o bullying, mas uma série de coisas que estão acontecendo na nossa sociedade são reflexos da falta de cuidado dos pais com os seus filhos. Sei que muitos pais brasileiros não podem passar o dia com os seus filhos, acompanhando de perto tudo que a criança faz ou sofre em ambientes como a escola, mas acredito também que os pais podem aproveitar melhor esse tempo. Duas horas bem aproveitadas podem significar mais do que um dia inteiro na formação de uma criança.

Quando eu era pequena não existia o termo bullying, mas acredito que desde sempre as crianças já provocavam as outras. Uma vez tive piolho e um colega que descobriu tentou me constranger de todas as formas. Aquilo podia ter se tornado um pesadelo, mas cheguei em casa e conversei com minha mãe que me explicou que o piolho era uma coisa normal e que aquele menino, provavelmente, já teve e não tinha coragem de assumir. A situação me ajudou a criar forças para me defender e não me traumatizou em nada. Mas acredito que isso só foi possível por que eu sabia que não estava sozinha, tinha todo suporte da minha família e me sentia sempre protegida. Os pais precisam estar mais atentos aos seus filhos, precisam entender que essas crianças são o futuro do mundo em que vivemos e que precisam ser orientados pelos pais para se tornarem seres humanos do bem.

À quem cabe o papel de dar disciplina às crianças e aos jovens?  

Ivete Sangalo: Eu acho que pais e escola devem estar em comum acordo. Tem que ser uma discussão a quatro mãos e, obviamente, o que acontece em casa se estende na escola e o que acontece na escola se estende em casa. Então, o dever de educar compete às duas partes. Mas acredito que a responsabilidade maior seja dos pais. A escola deve ser parceira dos pais. 

Fonte: Educar para crescer